26.3.09
Tudo sobre o amor materno
Uma das obras de Pedro Almodóvar que merece destaque particular na DVDteca de cada cinéfilo é “Tudo Sobre Minha Mãe”. Almodóvar encanta a todos, mas desta vez conseguiu tocar especialmente o público feminino pós-maternidade, com um enredo emocionante pelo tom dramático que acompanha toda a história (típico tom feminino), e relativamente comum a muitas mulheres: a mãe solteira, o marido controlador, a educação de um filho sem a figura paterna. O cineasta arrisca no óbvio recheando-o com o extravagante – beirando até o bizarro – e, acertando como sempre, deixa a estas espectadoras e a todos os outros a pergunta simples, porém paradoxalmente complexa: do que o amor materno é capaz?
O jornalista crítico de cinema Ruy Gardnier, em crítica a “Tudo Sobre Minha Mãe”, definiu o filme como “um universo mítico onde o feminino vence, onde não se trata mais de tolerância burguesa, e sim de total aceitação materna.” O renomado cineasta Pedro Almodóvar lançou em 1999 este longa-metragem acentuando algumas de suas mais fortes e conhecidas características: transformar o comum em espetacular, e abordar o universo feminino. Com esta receita, o filme levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
A história apresenta-se comum, porém toma rumos inesperados, interessantes e então muito incomuns no decorrer da história. Manuela (interpretada pela atriz Cecília Roth, de Kamchatka) é uma mulher de vida espantosa e sofrida. Fugiu grávida de Barcelona para se afastar do marido controlador e teve seu filho em Madri, criando-o sozinha. Nunca havia revelado a identidade do pai, que se transformou na travesti Lola, personagem singular interpretado por Toni Canto – que só dá as caras no final do longa. Quando Estebán (o iniciante Eloy Azorín) completa 17 anos, no exato dia de seu aniversário, sua mãe o leva para assistir a uma peça de teatro e, numa fatalidade, ao correr atrás do táxi que levava a atriz principal da peça, Huma Rojo (participação especial de Marisa Paredes), para pedir um autógrafo, é atropelado. Após o falecimento de Estebán, que morreu sem nunca ter obtido a resposta da mãe de quem era seu pai, Manuela decide procurar o pai do garoto para contar-lhe sobre a morte do filho. ‘Lola’ não está, e quem aparece é uma mulher portadora do vírus HIV, que está grávida do travesti.
Os diversos personagens que cruzam o caminho de Manuela na procura pelo pai de seu filho em Barcelona dão o toque cômico ao filme, como a velha amiga Agrado, um outro transformista, denotando o gosto de Pedro Almodóvar pelo excêntrico e pelo que choca a sociedade, como a homossexualidade e o preconceito. Nesta engraçada personagem, Almodóvar apresenta mais traços do universo feminino com um homem fazendo papel de mulher.
A transição para a tragicomédia começa a partir do encontro de Manuela com mais uma mulher: uma freira (marcada pela beleza da atriz Penélope Cruz), Rosa, prestadora de serviços de assistência social a prostitutas e travestis e que – surpresa, mulheres: isto é Almodóvar! – está grávida de Lola. Com a devoção religiosa nunca bem aceita pela família, e agora com uma inusitada gravidez que claramente contrasta com a vocação escolhida, Rosa pede ajuda a Manuela, que a acolhe com muita compaixão. Em mais uma alusão clara à maternidade e aos problemas estritamente femininos, Rosa morre no parto vítima das complicações da AIDS – contraída na relação com Lola.
A situação bizarra em que Manuela se envolve põe à prova a força feminina, através da extrema sensibilidade do gênio cineasta, somada às excêntricas situações que caminham durante o filme. O afeto e a agonia congelam as mulheres que acompanham a história, discorrendo sobre até onde podem ir os laços de sangue, acompanhando Manuela em sua decisão do que fazer com a criança órfã que acaba de nascer, e como lidar com a morte do próprio filho e aceitá-la.
As personagens que transitam pelo filme dão apoio às ações de Manuela, que se fortalece com a história de cada um, suas necessidades, carências e virtudes – como o detalhe de participar de uma peça como atriz substituta, a convite de Huma Rojo, realizando uma vontade sua, ou tendo que decidir o que fazer com o filho de Rosa e Lola. Ela se depara com a história de vida deles que ora se contrapõe ora se parece à sua, pois ela é uma mulher que por 17 anos criou seu filho sozinha – ser mãe, ainda mais solteira, não é uma tarefa simples ¬– e vê Rosa grávida, sem o apoio da família e sem o pai da criança.
E agora Manuela carrega na mala em sua procura pelo ex-marido a maior dor materna: a perda de um filho, seu único, numa brilhante homenagem à relação mãe e filho, simbolizada no ponto mais frágil: a morte, que contrariou a lei da natureza de que os pais partem antes dos herdeiros. Ela passa por situações que mostram que mesmo com o rebento falecido, o amor materno nunca morre: Manuela, revelando a maturidade muito mais aprendida do que naturalmente obtida, opta por criar o filho de Rosa, batizando-o também de Estebán, provando que o amor de mãe é capaz de abstrair certos acontecimentos e ajudar a construir uma nova vida. Percebe-se como Almodóvar, como homem, consegue captar com tanta profundidade a sensibilidade feminina, abordando o tema do amor materno sem parecer banal ou falso, transformando o clichê no original, e o bizarro no aceitável e por fim, interessante.
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