A balada Love Story, famosa pelo público que vai de patricinha a prostituta, dá a oportunidade a esta última de escolher o cliente – se quiser trabalharpor Lisbeth AssisA primeira impressão é a de que é uma balada como as outras. Mas não é: a “casa de todas as casas”, como é conhecida a Love Story, situada à rua Araújo, no centro de São Paulo, é um tanto quanto ousada, excêntrica e muito aconchegante.
O slogan não é à toa, já que lá ocorre uma mescla de estilos. Ao som de música eletrônica, black music e pop rock, patricinhas, prostitutas, playboys, executivos, público jovem, experiente e celebridades se homogeneízam e dançam a noite toda, muitas vezes revelando seus mais contidos instintos. O interessante é que os famosos são tratados como gente comum, mas podem optar por um lugar mais reservado para evitar o possível assédio. A casa possui logo na entrada um mural com matérias noticiando a presença de Malu Mader, Luana Piovani, Luciana Gimenez, o “fenômeno” Ronaldinho e Mike Tyson, entre outros.
João Tiago Freitas, mineiro de 54 anos, mais conhecido como Tio João, é o fundador e dono da Love Story, pioneira no gênero que poderia ser chamado de “misto”. De linguajar juvenil e debochado, e despejando um bocado de palavras inadequadas, Tio João conta que o destino dele sempre foi trabalhar na noite, e que buscou um aspecto diferencial: não ter nenhum atrativo específico por noite. “Aqui a gente não chama ator ou atriz pra fazer show, nem banda, nem DJ famoso. É só música a noite toda, todos os dias. Esse é o segredo de 15 anos de Love Story”, revela. Mas é claro que as garotas de programa dão um toque a mais, assim como o público GLS, que se mistura ao público heterossexual.
“E todos são sempre muito bem-vindos. Lésbica, gay, prostituta, travesti, tem de tudo aqui!”, enfatiza orgulhoso.
Brigas entre casais acontecem frequentemente. A maioria é por ciúme, pela presença das prostitutas e pelas outras mulheres, confundidas com as profissionais do sexo. Por conta do clima sensual, da característica de balada erótica e do assédio que rola, um dos parceiros pode não saber lidar com a situação, vendo seu companheiro se insinuando ou dançando com outra pessoa, e querer ir embora mais cedo. O fato é que nem todos os casais sabem até onde vai seu limite de “casal liberal”.
A Love Story é um lugar onde todos se sentem muito à vontade – dentro dos limites – fazendo valer o slogan da casa. Prostitutas que lá freqüentam não são obrigadas a sair com o primeiro que abordá-las, podendo escolher aquele que mais lhes interessar, pois não mantêm nenhum contrato com a casa. Paradoxalmente, mulheres comuns não-raro vão à Love, como é intimamente chamada pelos freqüentadores, para terem sua noite de garota de programa e serem tratadas como tal pelo público masculino.
Mas muitas vão lá apenas para se divertir, e não gostam tanto do assédio. Camila Pastor, economista de 22 anos, freqüentadora assídua, diz que “o som de lá é incomparável e não existe melhor eletrônico em São Paulo. Porém o que eu não gosto muito na casa é que muitas vezes os caras não respeitam e te tratam como uma vagabunda qualquer”.
R. R. S., de 29 anos, contraria um pouco o depoimento feminino: “Eu vinha com meus amigos para tomar um drink e as meninas chegavam todas assanhadas em cima da gente, eu é que não ia deixar passar”, confidencia, poupando seu nome, pois se casa no próximo dia 21. Tio João não condena o comportamento masculino. “Se você veio até aqui, já sabe o que vai acontecer.
Se não está a fim de tomar uma passada de mão na bunda, vai pra Igreja então”, esbraveja.
E mesmo com o que pode parecer uma total falta de limite tanto dos freqüentadores quanto dos organizadores, o comportamento não é tão promíscuo lá dentro. Protagonizar cenas de sexo é extremamente proibido, assim como o consumo de drogas. “Se os seguranças pegarem um casal, dão um aviso sutil, mas na próxima vai pra fora. Pode se liberar, dançar, subir no palco pra se exibir, quando você é aquela garota que é uma prostituta enrustida (risos). E droga, não vou ser hipócrita, eu sei que rola, em qualquer lugar rola, não seria aqui que não teria. Mas quando o segurança vê a menina no banheiro com aquela peteca (gíria usada para designar a cocaína), na hora ela é repreendida, pois isso não é permitido aqui dentro. Liberdade sim, sacanagem não”, explica o dono convicto, que para isso investe pesado na equipe de segurança.
De segunda a sábado, a casa abre à 1h, mas seu horário de pico é por volta das 5h - e se estende até 9h, podendo, às vezes, chegar ao meio-dia. Horário incomum, mas favorável, pois destaca a casa das demais: quem sai de outra balada e ainda não quer voltar para casa, ou mesmo aquele empresário que engana a esposa dizendo que vai ter que chegar mais cedo ao trabalho, passa lá em busca de diversão e descontração num ambiente em que ninguém é de ninguém, até a hora do café da manhã.
[matéria realizada em 17 de outubro de 2006]